Bitcoin é Reserva de Valor?

Bitcoin, Criptomoedas

 Bitcoin é reserva de valor? Não!!

Eu sei, eu sei, a afirmação do título é bastante polêmica… Mas, é a verdade.

Calma, vou explicar.

Criação em Meio ao Caos

Em 2008, explodiu uma bolha financeira imensa nos EUA: a crise do subprime.

Ela veio como resultado de uma combinação de fatores de relaxamento fiscal visando grandes lucros com a emissão de empréstimos para compras de casas pela população americana.

O esquema acabou resultando em uma trama de irresponsabilidades nunca antes vista nos EUA, envolvendo bancos, seguradoras, auditores e empresas de crédito locais.

A fim de não quebrar a economia do país, os EUA implementaram medidas de resgate aos bancos para evitar falências generalizadas, resultando em prejuízos de até 500 bilhões de dólares, ou 3.5% do PIB de 2009.

Para quem quiser saber mais sobre o assunto de forma mais descontraída, recomendo muito um dos meus filmes favoritos, “A Grande Aposta” (2015), do diretor Adam McKay.

Foi justamente no meio disso tudo que Satoshi Nakamoto, em 3 de janeiro de 2009, lançou a primeira versão do Bitcoin. No bloco gênesis, o primeiro bloco da rede Bitcoin, Satoshi deixou estampada a notícia que estava na capa do jornal The Times naquele dia.

A tradução literal da manchete é “chanceler à beira de segundo resgate aos bancos

A notícia era um reflexo do contexto socioeconômico mundial após a crise de 2007 que se aprofundou em 2008.

Para evitar uma quebra generalizada dos bancos, o governo americano ligou a máquina de dinheiro e começou a salvar os “too big to fail” (ou seja, os bancos “grandes demais para falir”). Essa prática ficou conhecida como “bailout”, ou “resgate”.

Naquele dia, em janeiro de 2009, a máquina de dinheiro estava, como diz a notícia, à beira de ser ligada novamente.

O Bitcoin nasce, então, como um suspiro de rebeldia e oposição à impressão desenfreada de dinheiro, que inflaciona a moeda e reduz o poder de compra da população.

Bitcoin é Reserva de Valor?

A principal característica que leva o Bitcoin a ter esse perfil contrário ao status quo das moedas governamentais é sua escassez programada.

Existe uma regra fixa que limita a emissão máxima de BTC em 21 milhões – bem diferente do comportamento de uma moeda fiduciária, como dólar ou real, cuja emissão é, para todos os fins, ilimitada.

Além disso, 1 BTC pode ser dividido em até 8 casas decimais – inclusive, daí que vem a expressão “1 Satoshi”, que seria a menor quantia disponível de BTC: 0,00000001.

A blockchain do Bitcoin também dá a ele outra característica muito importante: ele não pode ser falsificado. Ela, ainda, possui um mecanismo de consenso chamado Prova-de-Trabalho, que pode exigir um alto nível de poder computacional para validar um bloco e minerar o BTC como recompensa.

No geral, estas características conferem ao Bitcoin propriedades similares ao ouro, que também é escasso, que também é divisível, que não pode ser falsificado, e que também exige um esforço para ser “extraído” como recurso. 

Por isso, chamamos de “mineração” o ato de validar blocos da rede Bitcoin e criar mais tokens.

O Bitcoin, então, traz a ideia de escassez digital, em sentido oposto ao crescente descontrole da emissão de moeda pelos Estados. Surge como a busca para a solução do problema de inflação e de injustiça que culminaram na crise de 2008. 

Mas, será que podemos chamar essa nova tecnologia de “moeda”?

Bitcoin é Moeda?

A teoria econômica nos dita que o dinheiro possui três principais funções:

  • Ser um meio de troca;
  • Ser unidade de conta; e
  • Ser reserva de valor.

O Bitcoin consegue cumprir a função de ser um meio de troca, afinal, duas pessoas com carteiras conseguem trocar BTC entre si sem problemas.

Também é possível considerar o BTC como unidade de conta, porque fornece um padrão para que mercadorias expressem seus valores.

Entretanto, a função de reserva de valor se diz respeito à capacidade que uma moeda deve possuir de preservar poder de compra com o passar do tempo.

A alta volatilidade do BTC ainda não nos permite considerá-lo uma reserva de valor – apesar de possuir um alto potencial para se tornar uma boa reserva de valor, não podemos considerar que seja HOJE.

Imagine, você, a seguinte situação: é 02 de abril de 2021, e você decidiu vender sua casa para comprar TUDO em BTC. Pois bem, a cotação do ativo em reais está em R$ 325.894. Enquanto isso, a grama do ouro está em R$ 317,62.

Se o seu intuito, com esse investimento, era preservar valor ao longo do tempo, você estaria em maus lençóis, neste momento. Isso porque o BTC está com cotação de cerca de R$ 130.000, enquanto a grama do ouro está valendo R$ 314,72.

Perceba que o ouro, como o BTC, não se valorizou ao longo desses dois anos. Entretanto, a queda de menos de 1% do ouro não se compara com a queda de 60% do BTC, certo?

Seria, então, irresponsável afirmar categoricamente que o Bitcoin É uma reserva de valor por simplesmente possuir a maior parte das características de uma reserva de valor. Ele não possui a mais importante, que é (por óbvio) preservar valor.

A conclusão é que não, o Bitcoin não é uma moeda, se analisarmos pelo lado da aceitação formal da teoria econômica.

E agora, José?

Apesar de ainda não poder ser considerado uma reserva de valor ou “ouro digital” propriamente dito, essa é atualmente a narrativa de investimento que é mais adotada pelo público em relação ao Bitcoin – inclusive por nós, da Mercurius.

Veja bem, uma narrativa ao entorno do ativo não significa necessariamente que aquela é a verdade: pode ser apenas uma expectativa bem fundamentada.

Sim, o Bitcoin pode vir a se tornar uma reserva de valor e cumprir a função de “ouro digital”, mas não estamos lá, ainda.

Para isso se tornar realidade, é necessário uma maior adoção do ativo, principalmente por pessoas e instituições com um capital expressivamente grande.

E, aproveitando o espaço, fica o aviso: quando (ou se) o Bitcoin se tornar uma reserva de valor, não espere grandes ganhos de curto-médio prazo ao investir no ativo. Uma reserva de valor tende a ser mais estável, sem grandes volatilidades e também sem grandes espaços para especulação.

Inclusive, esse é um dos motivos que gosto de ressaltar que ainda é muito cedo no mercado cripto.

Ainda tem muito a ser desenvolvido e explorado, muitas pessoas a serem convencidas e conquistadas e, no meio disso, as teses e narrativas podem se transformar bastante.

Até a próxima.

Nicole Haddad.